quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

tempo, Tempo, TEMPO, T E M P O / M A R , MAR, Mar, mar

e entre as nuvens e os pássaros só restavam dois milímetros de distância.
Por muito que se quisesse apartá-los...
piam de um lado, chovem do outro
não há quem consiga ficar imune à doença do desencontro
...não deixavam afastar-se [...]


"Como gosto, meu amor,
de chegar antes de ti para te ver chegar: com
a surpresa dos teus cabelos, e o teu rosto de água(...)"

(Nuno Judíce, in "Pedro, Lembrando Inês".)


[...] chocavam contra a tempestade, contra a chuva.
(chove quando não estás ... O Sol tem medo da tua ausência)
São prenúncios de que é impossível desligar esta ficha. Nem milímetros, nem metros, nem quilómetros. Não há coisa idêntica. Os pássaros continuarão a piar, as nuvens a evitar a chuva para ver de perto o Sol. E as coisas vão continuar, de uma forma de outra.


"Disponho à minha volta todas as razões de uma verdade(...).
Disponho à minha volta todo o escárnio do mundo. E não preciso de ver a tua
fotografia que custou caro aos meus deveres económicos. Mas o nosso encontro é
no eterno e aí não há economia"

(Vergílio Ferreiro, in "Até ao Fim")



E depois a bicicleta parou
o pneu parecia vazio e o Sol tardava em pôr-se.
O mar derrubou as sua próprias ondas contra as suas próprias rochas.
Voltou-se a ver, ao longe, um rodar lento dos ponteiros do relógio.
Tardou. Chegou lá, mas tardou.

Os ponteiros foram concertados. Uma vez colocados no seu sítio a
bicicleta voltou a andar. Correu. Tardou, mas chegou a tempo.
O mar sorriu, como um puto sacana que prepara alguma partida,
reflectindo o Sol sobre a estrada.
Voltou-se a ver, ao longe, o viajante nómada, contra as nossas próprias regras,
chegando a casa. Tardou. Mas Chegou. E não tardará em sair outra vez.


"That taste. All I ever needed. All I ever wanted. Too dumb to
surrender."

(Kings of Leon in, "Arizona")

E as vertigens vão ficando cada vez maiores

Os sinais de trânsito não correspondem ao caminho marcado no visor
...
e não tenho tempo.
esqueci-me dele noutra estrofe. esqueci-me de acertar os versos com o horário de espanha.
esqueci-me de olhar para o lado antes de um carro passar primeiro que eu. esqueci-me de me levantar a horas e correr antes que o tempo acabe.
...
Os sinais não correspondem
...
As frases não se encontram facilmente,
as ideias voam entre os espaços em branco

Não fora a tipologia e escreveria sonetos
Escreveria mecanicamente, tal como agora, mas pior,

Não fora o computador e nunca daria tantos eros orrtográficos
não fora o corrector gramatical e sairiam muitos mais

Cala-te, por favor, que tento ouvir aquela voz,
só mais uma vez, para ver se chego antes dela,
para a ver chegar.
...
piam do ninho para o céu, pedem à chuva que pare,
apenas por dois minutos, pelo menos até saltarem para outro ninho.
e a chuva parou. e as estrelas confirmaram a passagem para o dia
e Sol voltou a abrir brechas na janela - e a porta ficou aberta para sempre

...


"Ao meu coração um peso de ferro
Eu hei-de prender na volta do mar.
Ao meu coração um peso de ferro...
Lançá-lo ao mar."
(...)


(Camilo Pessanha, "Canção de Partida")


"Tu és Forças, Arte, Amor, por excelência! -
E, contudo, ouve-o aqui, em confidência;
- A Música é mais triste inda que o Mar!." (...)


(Gomes Leal, in "Claridades do Sul")


"Alegre triste meigo feroz bêbedo
lúcio
no meio do mar

Claro obscuro novo velhíssimo obsceno
puro
no meio do mar

Nado-morto às quatro / morto e nada às cinco
encontrado perdido
no meio do mar
no meio do mar"

(Mário Cesariny, "radiograma")