quinta-feira, 5 de janeiro de 2012

... uma pedra no meu caminho, nela me quedei... matéria bruta mas cedosamente lisa como mármore... por ela deixei meu corpo escorregar... numa descida vertiginosa, não, talvez numa subida sem gravidade... o que interessam as direcções?... na velocidade quase imparável do movimento último, na eminência atroz do cair do véu – o rosto sem rosto, carne do mundo-, eu acordo; ou o mundo gira e volto a ter gravidade, a gravidade da pedra... Mas ainda o meu sol aquece o frio do mármore!... sim, e na pedra quente derrete-se a carne e falam as almas... Há homens que recorrem ao último suspiro para falar da sua verdade... eu não, a pedra lisa, misteriosa e bela parava o meu tempo... o tempo sem tempo parado no movimento em que o meu corpo perdido na pedra estava... no seu espaço, sem coordenadas possíveis... sem opção no mundo das opções!... perdido, não à procura mas loucamente perdido... posso não ter razão, nem sequer fazer sentido... nem interessa... a pedra arrefece sempre que o sol se põe, e o meu corpo volta a deslizar por sobre a superfície da pedra lisa, gélida, e toda a carne desimpedida permite agora que a pedra faça a sua viagem: os ossos quebram-se lentamente, os tendões paralisam, os músculos rebentam numa explosão sanguinária, as veias soltas tingem de vermelho o mármore e retribuem-lhe o calor, e o calor perdido regressa à pedra... e desfeito sobre a pedra, o meu corpo renasce a cada nascer do sol...
olhos inadequados
incoerentes, desajeitados
indignados e sem retina