quarta-feira, 22 de outubro de 2014

Tríade


-Eu sou o teu filho, o teu pecado. Sou a tua timidez.
E a mãe recebia-o nos braços magrinhos.
Não era seu filho.

-Eu sou o teu filho, o teu medo.
Sou o teu olhar novo sobre o mundo. Eu sou o mundo.
Ele não era o mundo, ela recebia-o.
Concedia-lhe o peito. Amamentava-o.

-Eu sou o teu filho, a tua carne nova ardendo no forno.
Eu sou o teu fogo.
Ele não ardia, ela recebia-o.
Mudava-lhe a fralda. Aquecia-o.

-Eu sou o teu filho. O teu predicado.
A tua palavra feita carne.
Ela recebia-o. Cantava até que adormecesse.

-Eu sou o teu filho. A tua continuada esperança.
Sou a fé no branco dos teus olhos.
Ela recebia-o. Tapava-o com os cobertores. Velava-o.

-Eu sou o teu filho, a tua salvação.
Sou a tua carne extrema.
Ela recebia-o. Tratava-lhe das feridas. Salvava-o.

-Eu sou o teu filho, as tuas mãos futuras.
Eu sou a tua memória.
Ela recebia-o. Lavava-o. Dava-lhe a sopa à boca.

-Eu sou o teu filho, o sangue novo da tua loucura.
Eu sou a tua loucura nova. Sou a cura.
Ela recebia-o. A mãe longa e densa abria-lhe a porta.
Emocionava-se.

-Eu sou o teu filho. Sou o ferro vertido pelo teu peito duro.
Sou a fundição. Eu, mãe, sou o teu pai!

-E eu serei a tua filha. E recebia-o.
Ensinava-lhe a tabuada e os planetas…


 Nuno Mangas-Viegas
                                                          (Tavira, 29 de Janeiro de 2014)
                                                                         [Editado a 25 de Maio de 2014]