terça-feira, 5 de outubro de 2010

horas

horas, carros, pessoas de passagem, passar do tempo como carros a passar; sento-me no banco, banco velho dos velhos – sabes o dos velhos: vermelho vivo, da praça onde os velhos, velhos se sentam- é vermelho vivo o banco dos velhos onde me sento também. andorinhas e minutos inquietos, rápidos passam sem forma, nem pedem licença, minutos e horas como carros e pessoas, aquelas ca pressa, cheias de pressa passam ca pressa por aqui sem tempo de um bom dia, um bem haja qualquer, como carros, passam com a mesma pressa dos carros, eu espero, o tempo não! passa, vai passando como carros a passar e como as pessoas que não dizem bom dia para o banco de velhos onde estou, novo ainda, sem saber que não sabia ser velho. sentado no banco vermelho vivo, as horas, indiferentes, passavam no relógio defronte, mais lentas do que os carros e do que as pessoas apressadas que não diziam bom dia, mas mais rápidas do que eu, novo ainda, sem saber que não sabia ser velho. parou um carro, sai uma pessoa e diz bom dia; o tempo, por momentos o tempo parou também. não respondi, levantei-me e fui-me embora.

nuno Cacilhas

caminho nocturno

piso pedras, calcetando com os chinelos,
e encontro novas razões de existência

calculo a distância entre o meu rosto e a pedra
imaginando, lentamente, como posso cair sem partir o nariz

doce vinho esse, ao almoço, que afasta o Cão do medo urbano
e nos conduz directamente ao âmago da nossa mágoa

grito, PORRA, fujo, SAI-ME DA FRENTE e, finalmente...
fecho a porta à chave para não me seguirem...
mas peço companhia à minha sombra, para me não deixar só

noctívagos humanos, noites sem sono, com a cabeça megulhada
em negros e sombrios pensamentos da insónia colossal
saiam de casa, sigam-me a sombra, corram comigo daqui


(as cartas que eu escrevi a morcegos de pedra,

são meras perdas de tempo, prantos de homem solto,

e a luz que me ofusca é só mais uma desculpa

para ficar parado nas ondas de um mar negro

obliterado, à nascença)

(... 2)

Há sempre aquele dia
Decide-se não dar importância
a absolutamente nada.
Belisco a pele... e não sei nada...
puro vazio.
Aquele dia em que não se dá o braço a torcer
Resiste-se a todas as fraquezas da emoção.
ignora-se quem nos enfraquece.
Acordamos com força, cheios de certezas,
partimos, sempre em frente, para onde for,
com a certeza de que nada terá real importância.
Eu sei que há sempre esse dia,
só não sei onde ele se esconde.

João M.Sousa 29/9/2010 EX-100 a caminho de Cáceres

(...)

O Sol voltou a derreter-me a nuca
Voltei onde já estou há tempo demais
mas a solidão é só aparente
afinal tenho cá quase tudo
Não sei bem o que me falta para além
daquilo que eu sei que não está.

João M. Sousa 24/9/2010 Montemor-o-Novo

"Tu" ou "O poema a vermelho"

A rua é onde despejas esses teus sentimentos
Mórbidos, o teu dia-a-dia presunçoso,
Os acontecimentos vários, que permanentemente te prendem
A essa ilusória realidade triste dos mortos.

A casa é onde teimas em permanecer sentado
Nessa poltrona cheia de pó e de recordações vazias
Que não te mostram
Nem te fazem vislumbrar
Aquilo que foste, nem o que serás.

É triste, isso sim - o viver-pensante deixar de querer existir.
Quando dá aos outros a possibilidade de escolherem por ele.
Quando se resigna perante o seu próprio semblante ressabiado com a realidade.
Quando julga que vê aquilo que quer olhar.
Quando deixas de ser tu, para passares a ser só mais um outro.

Tenho um armário cheio de canetas secas.
Mas esta, moribunda e só, é a que escreve.
Pena é que seja em vermelho.

Rodrigo Antão [03 10 2010]