quarta-feira, 29 de janeiro de 2014

o deserto

- Sou um corpo parado olhando, absorto, o deserto! dizia ele
eu não dizia nada. Ainda nada me rebentava nas mãos.
Era meio-dia. O sol queimava nos cabelos uma chama nova.
Caiam gotas gordas e frias sobre as costas ardendo,
caiam como caem os corpos de Homens maduros
violentamente...
corpos intactos e maduros de Homens caindo de algumas árvores.
era meio-dia.
Entravam rápidas nas costas,
acendiam por dentro os esconderijos, rebentavam
a sua luz nas hortas menos propensas.
Ele estava parado, absorto
partindo em pequenas porções para dentro das coisas do deserto.
- Sou um corpo parado, loucamente parado. dizia.
As coisas caiam-lhe nas costas vermelhas
entravam, como Homens maduros, violentos
caindo das árvores para dentro das costas. parecia doer.
Eu não dizia nada. e já nas mãos
cresciam sistemas, coisas do deserto complicando-se.
Entravam muito frias. ardia. fazia rir.
- Sou um corpo loucamente parado, complicando o deserto. dizia.
corpos inteiros caindo de árvores inteiras
duros por fora, com casca, caindo...
entrando, rebentando nos esconderijos a sua luz prometida,
iluminando as costas. uma chama nova.
Eu não dizia nada. e já tudo saia de mim, violentamente
contra as coisas do deserto. era meio-dia.
- Sou um corpo complicado, loucamente parado. Sou o deserto! dizia ele.
o deserto nada dizia.

                                                                                                               (Nuno M.-V. Tavira: Jan/2014)