quarta-feira, 29 de janeiro de 2014

o deserto

- Sou um corpo parado olhando, absorto, o deserto! dizia ele
eu não dizia nada. Ainda nada me rebentava nas mãos.
Era meio-dia. O sol queimava nos cabelos uma chama nova.
Caiam gotas gordas e frias sobre as costas ardendo,
caiam como caem os corpos de Homens maduros
violentamente...
corpos intactos e maduros de Homens caindo de algumas árvores.
era meio-dia.
Entravam rápidas nas costas,
acendiam por dentro os esconderijos, rebentavam
a sua luz nas hortas menos propensas.
Ele estava parado, absorto
partindo em pequenas porções para dentro das coisas do deserto.
- Sou um corpo parado, loucamente parado. dizia.
As coisas caiam-lhe nas costas vermelhas
entravam, como Homens maduros, violentos
caindo das árvores para dentro das costas. parecia doer.
Eu não dizia nada. e já nas mãos
cresciam sistemas, coisas do deserto complicando-se.
Entravam muito frias. ardia. fazia rir.
- Sou um corpo loucamente parado, complicando o deserto. dizia.
corpos inteiros caindo de árvores inteiras
duros por fora, com casca, caindo...
entrando, rebentando nos esconderijos a sua luz prometida,
iluminando as costas. uma chama nova.
Eu não dizia nada. e já tudo saia de mim, violentamente
contra as coisas do deserto. era meio-dia.
- Sou um corpo complicado, loucamente parado. Sou o deserto! dizia ele.
o deserto nada dizia.

                                                                                                               (Nuno M.-V. Tavira: Jan/2014)

quinta-feira, 23 de janeiro de 2014

Pretérito


Mais-que-imperfeito
o olhar dramaturgo daquele penhasco,
Seu pretérito totalmente desfeito,
O mar, o seu verdadeiro carrasco…

Mais-que-perfeito
Sua sombra em forma de casco,
Mais pretérito, mais conceito,
Mais, mais e mais…

…E menos-que-imperfeito,
Por mais que desfeito e refeito,
Nunca será: menos-que-perfeito
O seu pretérito.


Marco Mangas @ 23 de Janeiro de 2014

terça-feira, 14 de janeiro de 2014

a)

Escrevo-te porque não tinha mais nada para te dizer. Não sei se reparaste como pisca a luz em standby, vermelha, do televisor que nunca se ligou pela minha mão
Uma mancha de cinza no lençol branco serviu de pretexto para um texto declamado em contextos desmesurados pelo espaço. Escrevo-te para não ter de me ouvir, como um prato que se aquece para não se comer frio
Somos todos da mesma matéria e tudo bem, mas o fogo queima conforme o volume do corpo e o nível de tédio que o ocupa. São chamas no olho do topo [áreas medidas com estranhos aparelhos da geometria que não descrevo] São letras na chama do dia [a meteorologia não responde às questões da vida]

Sem mais nada a acrescentar despeço-me cordialmente.