Combinámos
encontrar-nos. Já não era sem tempo, afinal, há um ano que não nos conhecíamos.
O local era amplo, civilizado, claro, mas expunha, orgulhoso, pequenos
apontamentos naturais ao redor dos quais pontuavam exemplos da naturalidade com
que o homem convive com a natureza: alguns papéis, copos plásticos e um ou
outro vestígio do que fora uma refeição.
Claro que
não era o melhor dos espaços, mas a criatividade é fodida e quando aliada à
obrigação dá-nos o seu pior. Já não há locais para os poetas desde que Valter
Hugo Mãe disse que o Herberto Hélder devia estar numa praça para ser adorado.
Agora é vê-las, as praças, atulhadas de invenções em honra do bombeiro, do
marceneiro, do trolha e até do velho que, quando crianças, nos vendia as câmaras-de-ar
com mais furos do que tinha a que lhe levávamos. Mas poetas, nada. Por isso,
pensei, talvez não fosse fruto do acaso aquele local que combináramos ser o
ponto que nos juntaria. A primeira vez.
Carregaríamos ao peito um poema nosso. Sim, uma pequena honra ao célebre
“ Põe-me um poema no peito para te ter sempre presente” do João Sousa, e através
da leitura do poema colocaríamos à prova a nossa intimidade, e saberíamos então
se realmente nos conhecemos pelas palavras.
Quando
cheguei já lá estavam dois. Sentei-me, pedi uma cerveja de pressão e não
trocámos uma única palavra. Limitámo-nos a lermo-nos mutuamente. De vez em
quando os nossos olhos encontravam-se e provavam, com um ligeiro brilho de
ironia, que já nos descobríramos. A pouco e pouco foram chegando os outros.
Olhavam em redor e talvez pensassem do local o mesmo do que eu, mas logo se
sentavam e se abstraiam do envolvente. Nada havia sido combinado previamente,
mas nenhum disse uma palavra a não ser as duas ou três que dirigíamos ao
empregado pedindo-lhe mais uma bebida. Estivemos horas naquilo: lendo-nos
mutuamente e regando o espírito.
Quando a
noite começava a levar de vencido o dia, um de nós levantou-se e juntos vimo-lo
desaparecer para lá da sebe que delimitava o espaço. Depois outro, e outro, e
outro, e o último a abalar foi um dos dois que já estavam aquando da minha
chegada. Parecia um ritual, o cumprir com preceito regras rigorosas que
tínhamos imposto a nós mesmos.
Continuamos a cumprir o único ritual que fazemos questão de respeitar:
escrever no AEQUUM. Nunca mais os tornei a ver. Não sei nada deles, apenas
conheço as suas palavras; apenas os conheço pelo poema que carregam no peito.