terça-feira, 22 de março de 2011

Restiforme

Caminho numa rua que nem sempre é rua,
E encontro as pessoas que lá não estão.
Caminho até talvez sem caminhar...
Nos passos do corpo...

Socorro-me afogando-me.

Existo sem existência...

Queria ser um pouco mais do que homem,
Viver um pouco mais que a aparência da vida.
Sou um pouco mais que nada... sim, mas quero ser um pouco mais que tudo!

Resguardo-me na intempérie da loucura,
Ainda a vida me não cansou.
Não é dinheiro ou fama, amor, saúde ou cultura, queria apenas ser um pouco mais do que homem...

Existo rodeado de inexistências,
todas as coisas, fúteis...
Mas não me canso de existir, ainda que já nem exista...
Não me canso de fazer, ainda que não faça...
Canso-me de tanto querer e tão pouco alcançar!
Canso-me de me ver sorrir engolindo o jantar...
Queria apenas ser um pouco mais do que homem... queria apenas, quem sabe, voar...

Poesia (do outro)


Tudo aquece nesta mesa,
o papel,
com as suas pontas levantadas,
espreita o que lá fora
permanece impune à passividade
dos dias
O livro, “Poesia” de
San Juan de la Cruz,
estala na largura da sua
lombada e solta a
música, qual génio,
presa no interior
de poemas,
gastos,
por olhos desatentos e cegos
à beleza que o negro da tinta
esconde
E eu adormeço,
num feito do que é terno
e quente, e ouço, ao longe,
o ressoar da música de San Juan,
que é feita de palavras 
que rimam
mas que no fim, nada dizem,
somente o suave sibilar
da sua música ecoa,
no mais profundo do
meu sono.