Milésimo de segundo,
Precalço de lucidez,
Interrupção de inércia,
O copo derramou o seu estado
fruto de embriaguez...
Outro milésimo de segundo,
O estrebuchar de ambos,
O copo, o corpo...
A reacção hesitante dos passos,
Voz trémula e ofegante...
Outro milésimo de segundo,
outro, e outro e mais outro...
Sucessivo acto irreversível,
O álcool, o Ser, o não Ser,
o tempo, o consumo, a morte!
Outro:
Milésimo de segundo(...)
Miilésimo de segund(...)
Milésimo de segun(...)
Milésimo de segu(...)
Milésimo de seg(...)
Milésimo de se(...)
Milésimo de s(...)
Milésimo de (...)
Milésimo d(...)
Milésimo(...)
Milésim(...)
Milési(...)
Milés(...)
Milé(...)
Mil(...)
Mi(...)
M(...)
(...)
Marcelo Onnofre
porque para além de poesia experimental também existem experiências poéticas ... todas as actividades de escrita estão em igual alcance do homem como ele deveria estar com a natureza ... aequum : equidade, imparcialidade, igualdade
terça-feira, 13 de maio de 2014
domingo, 4 de maio de 2014
Ars Poética
(Aproximações ao receituário para a gestão do medo aquando da criação)
Falemos da fértil rotação da carne,
da inelutável e generosa geologia dos
corpos
- o sonho do minério inicial –
Falemos da assustadora anunciação das
formas no tempo,
da sacra falibilidade dos motores teóricos.
- mãos rasgando dos vidros as chaves –
Invoquemos a louca gramática dos frutos,
a ébria fermentação do átomo, do seu
sangue.
A semente:
Crianças hibernando nas ruas, ou o medo
delas.
Sentir o coração pesando toneladas
nas laterais da garganta:
Paredes que são nas mãos a fechadura.
Desalojar a garganta
e desestabilizar a líquida orientação dos
mecanismos;
Apontar a ideia ao centro do peito.
Disparar.
Lei zero da termodinâmica:
dois sistemas em equilíbrio térmico com um
terceiro
estão em equilíbrio entre si.
aumentar bruscamente o lume do terceiro
sistema
e aguardar nos flancos os cristais.
É um ofício lento.
Exige do terror um medo de si próprio.
Exige algum terror.
Lamber dos olhos o excesso de cristal. Rir
de medo.
- o riso criou a costela, a sua
necessidade.
Incidir a atenção na inconstante desordem
dos sistemas.
Desequilibrar. Saber arder. Saber do corpo
as melhores lenhas.
Saber recuar e avançar as fogueiras.
Recusar um padrão térmico.
Retirar das crianças frias a energia.
Potenciar a transformação.
Reciclar o medo.
Transformar. Colocar problemas. Acender as
luzes por instantes. Ver.
Deixar o terror borbulhando ver-se a si
próprio.
Raspar na pele a resina que se vai libertando.
Injectá-la no osso. Fazer doer. Apagar a
luz.
Deixar o terror ter saudade de si. Deixá-lo
chorar.
Não saber. Semear confusamente.
Respirar o odor fecundo da sementeira
e destruir lentamente as simetrias.
Começar a amar o processo.
Chorar, se preciso, sobre os materiais.
Demonstrar comoção.
Dilatar a verdade. Esticá-la. Usar ferros
para escachar a verdade.
Levar à boca algumas pedras. Provar.
Lançar a matéria – o corpo – ao mar.
Aguardar o afogamento.
Não atribuir nomes. Assegurar a
inexistência de sexo.
Afogar: preencher com sal.
O sal rebentará por dentro os pequenos
olhos.
Deixar rebentar. Cegar. Desinfectar.
Parar um pouco as coisas rápidas.
Potenciar o amor ao movimento.
Fazer amar o movimento, lançar-lhe com
violência
alguma inacabada inocência. Trair.
Rectificar os níveis de entropia…
Baixar bruscamente a temperatura:
Enrijecer a massa. Deixar a energia interna
sonhar um pouco.
Adicionar fumo. Fumar por dentro. Poluir.
Fazer chorar, por dentro. Unir as
extremidades mais afastadas.
Iniciar a subida à temperatura absoluta.
Iniciar a desordem-mãe.
Lançar o vinho novo sobre a gema.
Enlouquecer os ferros.
Aumentar. Violentamente.
Aumentar o volume, a música. Cantar.
Iniciar a oração:
Abyssus
abyssum invocat…
Gritar. Amar o processo.
Amar matar e fazer viver a coisa.
Amar desequilibrar.
Rebentar! Levar à criança bela o seu belo
medo de si.
Dilatar. Esticar os conceitos até
rebentarem. Dissolver.
Dissolver tudo. Queimar.
Diminuir espaço para a reacção. Minimizar.
Implodir!
Acordar.
Retirar a casca. Emocionar-se.
Dizer: meu filho!
Cortar os arames, soprar o pó. Libertar.
Aceitar que, sedento, ele nos mate…
Não esperará de nós
mais que o renascimento.
(Tavira, 12/2013)
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