quinta-feira, 7 de outubro de 2010

Para lá do azul...quem és?

Para lá do azul repousei os meus olhos
Deitei os cabelos em novelos de nuvem
Abri o meu corpo em searas de filhos
Adormeci na sombra de amplas copas
Não acordei sacudida de chuva
Não ardi na fornalha de oblíquos raios
Molhei apenas a minha alma nos orvalhos
Gotículas de papoilas e outras pétalas
Recolhi-me em ninhos de cegonhas
Cantei nas asas melódicas dos gaios
A minha flor de Maio ficou púrpura
Ao olhar o mundo revi-me vezes sem conta
E a usura da vida remoeu-me o peito
Quantas vezes quis eu dormir ao relento
Em planícies em estrelas abertas de noites frias
Para aquecer o nascer do sol num grito
Arqueando as costas num gesto aflito
De quem não sabe ter prazer senão todos os dias
Numa exigência inegociável de sorrisos
De abraços e desejos lidos no vento
Assobiados nas cantigas de amor e tédio
Searas inteiras de Alentejos perdidos
E eu a ler as linhas do meu corpo como um mapa
Para chegar a mim como botão de campainha
E responder-me : quem és?

4 comentários:

  1. "Sob um grande céu de cinza, numa grande planície
    Poeirenta, sem caminhos, sem relva, sem um cardo, sem uma
    Urtiga, encontrei vários homens que marchavam curvados.
    Trazia cada um dêles às costas uma enorme Quimera,
    Tão pesada como um saco de farinha ou de carvão, ou como o
    Equipamento de um infante romano.
    Porém o monstruoso animal não era um pêso inerte; ao
    Contrário, envolvia o homem, e oprimia-o, com seus
    Músculos elásticos e possantes; aferrava-se-lhe ao peito com as
    Suas duas garras imensas; e sua cabeça fabulosa sobrelevava
    A cabeça do homem, tal um dêsses horríveis capacetes com
    Que os antigos guerreiros procuravam agravar o terror do
    Inimigo.
    Interroguei um daqueles viajantes, perguntei-lhe aonde
    Êles iam assim.Respondeu-me que não sabia de nada, nem
    Êle, nem os outros; mas que, evidentemente, iam a alguma
    Parte, pois eram impelidos por uma necessidade invencível
    De caminhar."

    Quimera (Charles Baudelaire, Tradução: Aurélio Buarque de Holanda)

    http://gavronskiguimaraes.blogspot.com

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  2. Parabéns pelo poema Vanda, e obrigado pelo momento tranquilo e robusto, soube-me a uma essencia balsamica de um verdadeiro poema...

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  3. Obrigado pela partilha do pensamento, Vanda. É sem dúvida um bom poema. O comentário do João, faz, para mim, um acrescento ideal (nos sentidos verdadeiros). Quem somos? Para onde vamos e onde queremos realmente chegar?
    A luz, a sua ausência ou o seu incadeamento, só depende dos olhos que vêem. Tal como o sol, a luz nasce para todos. É tudo uma questão de se querer ver ou nem por isso. Por vezes, faz-nos falta o escuro, o abismo, para gozarmos novamente da sensação da subida e da iluminação.

    Continue a partilhar por favor.

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  4. lindo! mesmo! e assim, lendo este e outros que ja li que me orgulho e mais, sei melhor de onde venho.

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