sábado, 30 de março de 2013

A febre

A mão agrafada à rocha
de seda finíssima,
exasperando a sintaxe tépida de um beijo
uma lentidão grave
sobre o coração das folhas
encharcadas pela memória de si
enfeitiçando a longitude da promessa.
O cavalo selvagem, centopeia
deslizando pelo braço
estatiza-se perante as linhas
marcadas a roxo nos olhos.
Não passarás a pensamento
sem jurares que amas o álcool
e a feroz idade do tempo.
Respirarás os mansos territórios
e a lama das noites,
perfurarás os pequenos corações
das pequenas coisas a traço de pincel
a contra-cor, friamente.
Da queimadura, serás a febre
o suor das pedras, o granito nos dentes quebrado.
Acima e abaixo gigantizam-se as mãos
segurando a crina e a flor
no gelo das flechas e dos Astros.
Acima e abaixo o membro rubro
sonha o palácio e a estepe, e uma outra mão.
Não passarás sem o sangue
da promessa, o cálice e os lábios.
Não passarás sem a dolorosa exactidão dos ferros.
Para sempre, cravadas as lentas carnes
ao vento, ao assobio, às latejantes folhas,
O beijo será sempre dito,
os lábios sempre agrafados à febre,
mas nunca passarás a tempo...
Nunca a geometria dos corpos
será o idioma das árvores, vivas e atentas.
Relincha a madeira, exasperante.
a luz primeira sobre os pinheiros
empurra a besta para diante
pisando os frutos e o sal,
o granito mastigado
cai sobre o mel e as especiarias da tentação,
o sangue não cai ainda
e a rocha desliza a seda
sobre o braço artesanal e forte...
Não passarás sem o prumo
das portas recordadas...
Não passarás enquanto fores carne queimando...

sexta-feira, 29 de março de 2013

parte de nós (equidade)

por esta altura seríamos artesãos
estaríamos guardados para outros fins
que apenas aos melros cabem
mas cabíamos perfeitamente na
imensidão das horas
ora pensávamos que seria sempre
mas tínhamos uma ética do nunca
em comum, nunca a deixámos de parte

parte de nós ainda é artesão
mas parece que cada dia se estende
para ti, estendo estes versos
para este outro ti, estendo uma mão
irmão, estou aqui e sei que estás noutro lado

por esta altura teríamos altura suficiente
para saltar da montanha presos a um elástico
esticaríamos ao máximo a nossa arte
e esperávamos que a regularidade não se
tornasse quimera ou apenas a desculpa da preguiça

espreguiças-te
tinhas a ética do espreguiçar como ponto comum
uma arma de melros, pois parte de nós assume o trabalho que é dele
com um bico cheio de marcas, da guerra, da luta e da fome
opções, decisões, afastamentos lunares
reencontros solares

APOLO desliga essa porra!


espero ver-vos tão em breve
mas tão em breve
ou talvez só parte de nós

quarta-feira, 27 de março de 2013

Epidérmica Contracção

É talvez as vezes todas que não vejo o reflexo de mim. Todas elas sem excepção, sem linha de continuidade. Não há reconforto no esquecimento quando ele se sai como em piro-técnicas exalações de alma.

Olho para o lado em sopro introdutório,
e já espreita a matilha de versos...
Já caiu de mim faz todo o tempo (o meu pelo menos),
mas quando volta esquece-se a falta de tormento...

Esclerótica carícia que me embala,
onde nada é novo ou ruidoso,
é um incompleto eco vindo de uma caverna,
abrasador de gelos perpétuos.

Se não saio daqui hoje, eternizo-me...
Expando-me em contracções,
Mirro-me todo... que chatice.

poema de comboio #11


cá se vai… e tu foges e corres e saltas
mas não apanhei nada pelo caminho, andando
com a cabeça…
e eu fujo e corro e pulo entre as orelhas…
são duas da manhã e o candeeiro lá fora continua a confundir as galinhas do vizinho. Aqui não há mais nada que me faça crer que vivo, que faça querer a vida, que me faça lembrar quem és. só três da manhã – são horas de despertar as quatro e eu não sei porque estou na cama e não na varanda. Lembro-me. sei quem eu sou apenas parcamente falando

e tu saltas tu corres tu tu tu… cá se vai
é difícil estar a tempo andando com a cabeça
não não apanhei o comboio mas estou lá dentro enquanto miras
e eu fujo e corro e pulo murmuro entre as orelhas

ontem quando as palavras não se sabiam escrever e ainda esperávamos a primeira aula de terapia das falas, falavas como se nada fosse importante nada tinha real valor e era tudo tão cheio de significado sem o dicionário
ontem o hoje que ontem implicava haver num amanhã apenas despertado num sonho carregado entre nuvens de olhar e cinza. Como se nada fosse realmente cinzento e como se tudo estivesse pleno de cores só tuas.

domingo, 17 de março de 2013

lisonjeado
a calmaria
as novas cores
todas as formas e
todas as normas e
todas as mortas
frases e
calmaria
...

olhavas de súbito ruminando um local impossível de guardar
amarelos os olhos da pedra colhida num átrio reprimido pela foice

publicavas artigos como quem pastava a massa que o teu primo amassou
estava tudo visualizado... aplicados os efeitos à onda sonora onde dormias um pouco
partias os ossos nas ondas de um mar, mijado contra a parede, uma frase a negro
spray. cor de gato. cor de frase. cor de mar.

olhas de novo sem perceberes que a perna te tapa o passo
não adias nem recuas nem procuras o que o jornal de ontem não deixou passar

a calmaria
lisonjeado
todas as cores e
todas as lordes e
todas as formas
frases e
calmaria

...
localizavas a dor que nunca achaste no dedo do pé... gosto muito mais
da parte queimada, por cima, da nata, do pastel e do pastel de nata

Choque Epilético

Não, não...
Desculpem lá mas choque é que não!

Estava-se mesmo a ver!
Sempre se esteve mesmo a ver quando estava tudo turvo.
Portanto, estou de acordo com toda a mortandade menos com o choque.

Gosto pouco de hipocrisia à beira da campa.
Para quê? Os vermes geralmente comem mesmo sem pedir favor.
De qualquer maneira, se acelerar peçam lá com jeito.

Depois de acabarem com a choradeira vejam lá se sobra alguma lágrima a sério.
Porque ninguém chora como deve ser só por refluxo gástrico.
Quando se desperdiça tudo, há uma secura da emoção prolongada e defenestrante.

Aquela que é chorada em grandes quantidades de tempo,
vertendo sem ficar tudo molhado, um ácido interno de interregno sorumbático.
Qual queda sem interesse a não ser para quem interessa:
E quem interessa não sabe ou chora, só demora em se eclodir.

Pronto, fecha lá isso com jeito.
Eu não tenho uma morte contada numa capela qual voyeur de Sintra:
mas ao menos que fechem o caixão com jeito...
À cautela.

segunda-feira, 11 de março de 2013

o silêncio silencia a palavra
que com alguns dias deixados para trás se perdera
em dias e horas e perdas e ganhos
venho por este meio pedir-vos que a encontrem
assim que possam

aproveito para vos dizer, e pedir desculpa, que não tenho conseguido tratar do Suplemento do número 3 da nossa revista. Julgo que este mês será finalizado. Temos contribuição de Nuno Mangas Viegas, Marta Ferreira, Ana Pedrera, Marco Mangas, João Sousa... se alguém estiver omitido nesta lista faça o favor de me enviar um mail junto com uma pedrada.

Abraços muito grandes e saudades das nossas conversas...