Rezam os antigos que uma boa morte é morrer-se à mesma hora a que se nasceu. O ciclo fica fechado e consumado. Quando te contei isto, naquele final de tarde chuvoso no jardim público de Évora, notei a tua curiosidade. Disfarçaste, para que eu não tivesse notado que te agradara a ideia. Nem acredito que passaste os teus últimos instantes de vida atenta ao relógio, para que tudo se cumprisse.
(...)
Recordava talvez a minha infância quando saíste de casa sem a generosidade de uma palavra. Escutei a porta cerrar-se mansamente, como que receando a sua função. Fiquei olhando pela janela embaciada o teu lento afastar. Fundiste-te na neblina, incorporaste um tempo sem conjugação, uniste-te à desolação cinzenta do interminável asfalto.
Esperei-te toda a manhã. A esperança no teu regresso guerreava com o receio de nunca mais te ver. Os cigarros ardiam em meus dedos. Um a um construíam uma névoa interna. Mas não. Tu não voltaste…
Só mais tarde notei a forma como arrumaras o teu quarto. A cama feita a régua e esquadro. A secretária desocupada. Na mesa-de-cabeceira, uma folha dobrada em quatro acautelava uma frase escrita tremulamente: “estar perdido é somente encontrar o que não se estava à espera”. Fui eu quem te a disse. Não recordo o contexto. Recordo somente que confirmaste a ideia. Beijaste-me. Tu beijavas-me tantas vezes. Beijavas-me com os olhos humedecidos. Como se no teu íntimo soubesses já que não irias voltar. Eram assim os teus beijos: beijos de partida...
Recordava talvez a minha infância quando saíste de casa sem a generosidade de uma palavra. Escutei a porta cerrar-se mansamente, como que receando a sua função. Fiquei olhando pela janela embaciada o teu lento afastar. Fundiste-te na neblina, incorporaste um tempo sem conjugação, uniste-te à desolação cinzenta do interminável asfalto.
Esperei-te toda a manhã. A esperança no teu regresso guerreava com o receio de nunca mais te ver. Os cigarros ardiam em meus dedos. Um a um construíam uma névoa interna. Mas não. Tu não voltaste…
Só mais tarde notei a forma como arrumaras o teu quarto. A cama feita a régua e esquadro. A secretária desocupada. Na mesa-de-cabeceira, uma folha dobrada em quatro acautelava uma frase escrita tremulamente: “estar perdido é somente encontrar o que não se estava à espera”. Fui eu quem te a disse. Não recordo o contexto. Recordo somente que confirmaste a ideia. Beijaste-me. Tu beijavas-me tantas vezes. Beijavas-me com os olhos humedecidos. Como se no teu íntimo soubesses já que não irias voltar. Eram assim os teus beijos: beijos de partida...
(...)
Um par de pequenos trechos de um texto em três actos perdido no meu portátil...
ResponderEliminarAbri a gaiola, voaram.
"Trovada que aos antigos pertence" pois diziam que resultava da fricção entre as nuvens... Julgo que anos mais tarde me confirmaram o mesmo na escola primária...
ResponderEliminar(Mudo de cena)
Reconheci imenso no texto... o contexto é inimigo do texto mas é seu melhor amigo. É um pequeno trecho que quase obriga à leitura dos três actos. Estão muito bem introduzidos os 3 neste texto: contem-te como partir; partistes; não voltaste e eu passei a saber-te completamente.
(Mudo de cena)
lágrimas de um deus caídas em terra, diria sobre a trovoada...
(Mudo de cena - estou mudo na cena)
Valente gaiola abriste a meio da batalha....
Obrigado
Trechos de uma partida, um novo começo... uma nova gaiola ou não, no meio da chuva ou não, muma tarde ou manhã ou noite ou não, com relógio ou não, são trechos de uma partida, um novo começo...
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