quinta-feira, 22 de março de 2012

...poema preto e vermelho...

...não é com tinta mas com o meu sangue que escrevo...
...foram dois corvos que anunciaram a tua chegada...
...começou, quão delirante mergulho em queda livre e vertiginosa...
...prenúncio de morte num beijo...

...o êxtase da luxúria das palavras vermelhas era sangue que jorrava de nós...
...rompíamos os pulsos no maior delírio de um poema...
...apenas porque o champanhe do teu corpo nos elevava para lá dos nossos, nas bolhinhas de gás de um vulcão qualquer longe de nós, noutro país, noutras palavras...

...o corvo arrastava uma asa torta, era a morte a bater à porta da morte...
...sabíamo-nos definhar lentamente com ela, aniquilávamo-nos no movimento orgiástico dos corpos e riamo-nos disso...

...talvez que nem tivéssemos existido para lá de uma gargalhada...
...mortos à nascença de nós...
...e tivéssemos vivido apenas na impossibilidade de viver...
...doce demência: a ilusão....
...espingardas e pistolas de água, bandeirinhas brancas, o sorriso dos cavalos!...
...alguém ao fundo gritava alegria e toda a gente compreendia...

...era noite, era dia, era outro tempo qualquer...
...outra luz qualquer, uma abstração cor de mel...

...os olhos ardiam e os dentes rangiam...
...trovoada de meio dia... ...canja de letras... ...campa de letras...
...no fundo do pote trazias água escondida de ti...
...bebia da água enquanto os corvos cravavam os bicos no meu estômago... ...mesmo assim bebia-a, entornava-a sobre mim no maior festim carnal...
...era quente, era fria, era vinho, era água...
...da fonte entornavam-se palavras, saíam das veias do corpo desunido, sacudido por cães esfomeados, esventrado por lobos azuis...
...rompiam a carne da cabeça para baixo... ...fiquei com azia de escrever!...

...ventos fortes arrastavam-me para longe...
...era noite, era dia, animal acordado e solto na floresta sem floresta de mim... ...deserto acutilante de feras e pedras roxas...
...precipícios abissais na rosa dos quatro ventos...
...sopros de pássaros pretos à janela: o meu amor chegou!...
...cheguei de manhã e não haviam ovos mexidos...

3 comentários:

  1. vou-me deitando com a morte
    por só um momento
    não sei até quando
    mas sei que aguento.

    Saiu-se-me

    obrigado amigo cacilhas
    um abraço mui forte

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  2. mui bem, compadre... Que coisa triste, chegar-se ao fim da tormenta e não haver um pratinho de ovos mexidos... Hás-de me apresentar um ou dois desses corvos. Sempre sonhei ter amigos com asas tortas. Abração!

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  3. Sugarei o sangue de tais palavras, e não dispensarei um pratinho de ovos mexidos... Grande abraço

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