sexta-feira, 21 de agosto de 2015

Dilúculo



Admiro e soletro esta inquietude,
o nevoeiro da terra,
o caule das rosas,
a insensatez dos espinhos
que perfuram a carne branda,
exaltação do corpo,
pálpebras de uma tocha acesa,
espinhos de fogo,
devastação de madrugadas…

Há uma clareira, dilúculo,
gestação do medo,
outro dia,
o maior distúrbio dos horizontes,
a mesma rua vazia,
sangue derramado nas palavras,
adágio,
perfeição.

Marco Mangas @ 21 de Agosto de 2015

quinta-feira, 25 de junho de 2015

poema de comboio #72


há qualquer coisa de errado
com o andar das pessoas que me rodeiam

eu estou no centro
sem os meus olhos
tentando perceber pelo som apenas
porque caminham
por onde andam
porque não vêm?

algo de extremamente inverso
existe no olhar dos passos das pessoas

o chão é o horizonte
sinto nas veias o pulsar dos passos
das horas tentando perceber-me pelo tacto
por onde estou
que passos dou

porque não vejo?

quarta-feira, 1 de abril de 2015

Pétalas...


Soletrei as pétalas da mentira,
as lágrimas de sangue fingido,
o ócio voraz, taciturno,
denunciado pelo delírio de meus olhos,
sombra de meu porto seguro,
precipício das palavras impróprias
num fôlego abreviado,
existencial...
Ainda permaneço encoberto
pelas portas da metafísica,
metamorfoseando a falácia da morte,
as pétalas cruas e peculiares
da sepultura de oiro.
Hoje sou verso, sou vício,
sou voz de um quadro,
pétalas de sol e de fogo
que me procuras...

Marco Mangas @ 01 de Abril de 2015

(Quadro: acrílico s/ cartão, técnica mista @ Nuno Mangas Viegas)

quarta-feira, 25 de março de 2015

poema de comboio #69

as cabeças rebentam sem mestre
rápidas como um comboio
velozes como tudo aquilo que mostra ser muito rápido

chovem elegias e elogios e coisas que nunca te interessariam
porque não compete ao serviço ser-se elogiado

as palavras como comboios atravessam as linhas
em choque, em colisão veloz com o mestre,
os serviços ficaram feitos, terminados em hora certa
sem horário para cumprir
mas em hora certa

não terás honras para além das rápidas palavras
saídas das cabeças do comboio
rompendo as férreas linhas velozes e elegíacas

escreverei quantas linhas quiser
numa tímida arrogância que me aponta
o sentido cascais, o sentido cais-do-sodré, o sem-sentido
o sem-velocidade, parcos momentos que não chego a tocar

está frio
está demasiado frio para quem escreve
as explosões tardam e as taras abominam qualquer um
que sem serviço se propõe a chocar com o combóio

as coisas voltam ao seu ovo
quebrando cascas como se quebram as cascas dos ovos
dentro do ovo estava o mestre
sem cabeça
veloz como tudo aquilo que tem de ser veloz

demasiado veloz


(não gosto nem acredito em homenagens destinadas às massas, nem acredito no descanso eterno,
as palavras ora escritar são apenas um relembrar de herberto)

quinta-feira, 19 de fevereiro de 2015

espero...

espero por ti…
há uma calma lenta
aquecendo o ar
deixando coladas as pálpebras
que se arrependem de abrir

o peso dos corpos
lentos, sobre as folhas
dos meus braços
ramos que se estendem
para além da cama,
deixa-se derreter

espero por ti…
não sei que horas são
nem porque não as sei
ou porque não sei saber

espero por mim…
eu serei quem falta:
o tempo passa e vou deixando
para trás as letras
as horas
os olhos
o calor
não sei

quarta-feira, 28 de janeiro de 2015

O poema...


O poema…
A substância que alimenta o corpo,
que corrompe as águas espelhadas
(outrora) beijadas e adoradas
pelo seu próprio reflexo.

No horizonte…
Avista-se o rosto de uma jangada,
(um espectro no cimo da parábola)
concebida pelo tempo, pelo homem
e pelo nada.

No seu olhar,
uma combustão de sentimentos,
(…)
loucura, adrenalina, vertigem,
medo…

A morte
navega à bolina, num rumo sem fim,
de mãos dadas com o mar.

O seu leme
continua rasgando o espelho,
rasurando a palavra 
nesta inútil viagem de papel reciclado.



Marco Mangas
@ Olhão, 28 de Janeiro de 2015




quarta-feira, 7 de janeiro de 2015

um dia

houve um dia
uma forma
uma maneira de pensar
um aceitar de cabeça erguida
mas aceitar
houve uma falha
houveram muitas
e tantas outras
e tantos erros
mas por errar

num dia quente
quando já nada parece fazer sentido
todos gritam por um nome comum
menos por si mesmos
e a morte é certa

houve dia
houve uma forma
haviam maneiras de pensar